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domingo, 2 de outubro de 2016

Mudança no governo brasileiro divide opiniões no exterior

O impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e a posse do presidente Michel Temer nesta quarta-feira (31) tiveram forte repercussão não apenas entre os brasileiros. No exterior, países e órgãos internacionais reagiram de formas diversas à mudança no governo brasileiro.

Na América Latina, a Argentina, principal sócia do Brasil no bloco regional Mercosul, reagiu com cautela. Em nota, o Ministério das Relações Exteriores afirmou que “respeita o processo institucional verificado no pais-irmão” e reafirmou a vontade de continuar o processo de integração, num contexto de “respeito aos direitos humanos, às instituições democráticas e ao direito internacional”.

As reações ao impeachment de Dilma e à posse de Temer deixaram em evidência a crise que se instalou no Mercosul no fim de junho, quando o Uruguai concluiu seu mandato como presidente pro tempore do bloco. Cada um dos cinco países exerce o cargo rotativo por seis meses, antes de entregá-lo ao próximo, em ordem alfabética.

A partir de agosto, seria a vez da Venezuela, mas três dos quatro membros fundadores se opuseram. O Brasil, governado interinamente por Michel Temer, argumentou que os venezuelanos não haviam cumprido os requisitos necessários para serem considerados membros plenos. A Argentina e o Paraguai consideram que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, está violando a cláusula democrática (condição para integrar o bloco) ao mandar prender líderes opositores.

A Venezuela – que assumiu a presidência do Mercosul à revelia do Brasil, da Argentina e do Paraguai e em meio a uma grave crise econômica e política – foi o mais duro a reagir contra o impeachment de Dilma. Em comunicado divulgado pelo Ministério das Relações Exteriores, anunciou que vai retirar definitivamente seu embaixador em Brasília, “para resguardar a legalidade internacional e em solidariedade ao povo do Brasil”.

O Equador e a Bolívia também prometeram retirar seus embaixadores de Brasília. E, juntamente com a Nicarágua, denunciaram o que consideram ser um “golpe parlamentar” contra Dilma Rousseff perante a Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo secretário-geral, Luís Almagro, foi ministro das Relações Exteriores do Uruguai, no governo do ex-guerrilheiro Jose “Pepe” Mujica.

Almagro tem sido um dos maiores críticos da Venezuela. Segundo ele, a democracia naquele país deixou de existir, quando Maduro começou a perseguir seus opositores, que nesta quinta-feira (1º) convocarão uma grande marcha de protesto. Eles conquistaram maioria no Congresso em dezembro e estão juntando assinaturas para convocar um referendo revogatório com o objetivo de destituir Maduro antes do fim de seu mandato em 2019. O objetivo é realizar o plebiscito antes do fim do ano, para realizar novas eleições presidenciais. Depois desse prazo, mesmo se Maduro for derrotado nas urnas, o vice dele assumirá o poder.

Cuba (que está em pleno processo de reaproximação com os Estados Unidos, depois de mais de meio século de guerra fria) também criticou o impeachment de Dilma. Mas a Venezuela foi além dos demais, ao prometer “congelar as relações políticas e diplomáticas com o governo [de Temer] que surgiu desse golpe parlamentar”.

Foi graças à destituição do então presidente do Paraguai, Fernando Lugo, em 2012, que a Venezuela conseguiu aderir ao Mercosul. Sua entrada havia sido aprovada pelos governos dos quatro países fundadores, que na época eram todos de esquerda. Mas tinha sido vetada pelo Congresso paraguaio, dominada pelo Partido Colorado, de direita – atualmente no poder.

Apesar de o impeachment estar previsto na constituição paraguaia, o processo-relâmpago que destituiu Lugo foi considerado um “golpe parlamentar” pelos governos da região, que suspenderam o Paraguai do Mercosul até o vice-presidente concluir o mandato e convocar novas eleições presidenciais. O vencedor, Horácio Cartes, é do Partido Colorado que votou contra Lugo.

Enquanto o Paraguai estava afastado – sem voz, nem voto –, a Venezuela foi admitida no Mercosul e tinha até meados de agosto para incorporar centenas de normas e adquirir status de membro pleno. Isso não aconteceu, até porque a conjuntura internacional mudou: os preços das commodities (entre eles o do petróleo, principal produto de exportação venezuelano) caíram. As economias regionais deixaram de crescer ao ritmo da década anterior, quando sobrava dinheiro para financiar planos sociais.

De todos os membros do Mercosul, o Paraguai foi o mais crítico da Venezuela. O maior jornal do país, o ABC Color, deu menos destaque à saída de Dilma do que ao fim do “bolivarianismo” – movimento lançado pelo ex-presidente da Venezuela Hugo Chavez, que pregava a união da América Latina e a adoção de um modelo econômico regional alternativo, mais voltado para a área social. Em menor ou maior medida, a Argentina, o Brasil, a Bolívia, o Uruguai e o Equador – seguiram uma receita parecida, reduzindo de forma significativa a pobreza. “Temer confirma o fim do Brasil bolivariano”, anunciou o jornal.

A presidente do Chile, Michelle Bachelet – que como Dilma foi vítima da ditadura militar e cumpre seu segundo mandato – emitiu comunicado manifestando respeito “pelos assuntos internos de outros Estados e em relação à recente decisão adotada pelo Senado brasileiro”. Além de expressar confiança de que o Brasil vai resolver seus desafios, Bachelet manifestou “apreço e reconhecimento à ex-presidente Dilma Rousseff” e afirmou que os dois países “mantiveram relação intensa e produtiva durante seu mandato”.

Os argentinos – que enfrentam três anos de estagnação econômica e cujo presidente, Mauricio Macri, em oito meses de governo anunciou ajustes, sem conseguir atrair os investimentos previstos – esperam que o impeachment acabe com o clima de incerteza política que paralisava os negócios. Na imprensa, muitos analistas dizem que o panorama pode continuar complicado, com o surgimento de novas denúncias e o PT na oposição.

Ex-presidentes da América Latina

Os ex-presidentes da região que conviveram com 13 anos de governos petistas também se manifestaram. A antecessora da Mauricio Macri, Cristina Kirchner, expressou a sua opinião sobre o impeachment pelo Twitter: “América do Sul, outra vez laboratório da direita mais extrema. Nosso coração junto ao povo brasileiro, Dilma, Lula e os companheiros do PT. Se consumiu no Brasil o golpe institucional”, disse.

Cristina é acusada por Macri de ter esvaziado os cofres públicos e deixado como herança uma inflação anual de dois dígitos – uma situação que o obrigou a tomar medidas de ajuste, na esperança de atrair investimentos.

O presidente do Uruguai, Tabaré Vasquez, manteve silêncio. Seu antecessor, Jose “Pepe” Mujica – que é hoje senador do mesmo partido –, afirmou em reunião com líderes sindicais que o impeachment de Dilma “foi um golpe anunciado”, mas que serviu de lição: “A companheira Dilma não teve cintura para negociar e, sobretudo, surpreendeu muita gente de suas próprias fileiras porque quis frear o peso da crise econômica com algum tipo de medida relativamente conservadora”.

Imprensa latino-americana

A notícia da saída de Dilma e da posse de Michel Temer foi manchete na imprensa latino-americana, que refletiu o debate no Brasil entre aqueles descontentes com a crise – que acham que o PT afundou a economia – e os que dizem que a ex-presidente foi julgada injustamente, por um crime menor e por políticos comprovadamente corruptos.

“Dilma disse que se consumou um golpe de Estado”, noticiou o jornal argentino Clarin, ao explicar que ela não foi julgada por corrupção – mas pela manipulação de contas públicas (“pedaladas fiscais”). “É o fim de uma era no Brasil”, acrescentou. O jornal de maior circulação na Argentina descreve Temer como um político “conciliador”, que mede suas palavras e terá a difícil tarefa de fazer os ajustes necessários. Acrescentou que considera “todos culpáveis” pela situação e opina que “o poder dominante” se aproveitou das circunstâncias “para transferir a responsabilidade da eleição de uma maioria nacional a meia centena de senadores”, o que abre perigoso precedente na região.

O jornal argentino Pagina 12, de esquerda, resumiu o impeachment em um título de duas palavras: “Golpe Consumado”. Acrescentou que, mesmo destituída, Dilma terá futuro politico. Seus opositores não obtiveram o apoio necessário de dois terços do Senado para inabilitá-la de exercer cargos políticos durante oito anos. A agencia oficial Telam também ressalta a decisão de Dilma de continuar se opondo aos “golpistas”.

Estados Unidos

O porta-voz do Departamento de Estado norte-americano, John Kirby, declarou, em entrevista, ao comentar o impeachment de Dilma, que os Estados Unidos mantêm a confiança no Brasil: “Estamos confiantes de que vamos continuar a forte relação bilateral que existe entre os nossos dois países, como as duas maiores democracias e economias do hemisfério”.

Kirby acrescentou que Brasil e Estados Unidos são parceiros comprometidos. “Nós cooperamos com o Brasil para tratar de questões de interesse mútuo nos desafios globais mais prementes do século 21. Pretendemos continuar esta colaboração muito essencial”, afirmou.

Ao ser indagado pelos jornalistas sobre se os Estados Unidos fariam alguma declaração oficial sobre a decisão do Senado brasileiro, John Kirby disse que não tinha nenhuma comunicação diplomática para divulgar hoje. O impeachment aprovado pelo Senado “foi uma decisão tomada pelo povo brasileiro e, obviamente, nós respeitamos isso”, disse o porta-voz do Departamento de Estado norte-americano.

Sobre um possível encontro entre os presidentes Michel Temer e Barack Obama, durante a reunião do G20, na China, John Kirby sugeriu aos jornalistas que consultassem a Casa Branca. Também não quis fazer qualquer comentário sobre uma possível viagem de Temer para visitar Obama, em Washington.

ONU

O secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, desejou ao presidente da República, Michel Temer, os “melhores desejos no início de seu mandato”. A afirmação foi divulgada por meio de nota do porta-voz da ONU. Ban Ki-moon disse ainda confiar na continuidade de uma “estreita parceria” entre o Brasil e as Nações Unidas.

No comunicado, Ban Ki-moon evitou opinar sobre o processo de impeachment finalizado hoje. Ele aproveitou para agradecer a ex-presidente Dilma Rousseff pelo seu apoio ao trabalho da ONU enquanto esteve no comando do Brasil.

Confira a nota:

“Declaração atribuída ao porta-voz do secretário-geral da ONU sobre o impeachment da presidente do Brasil, Dilma Rousseff

O secretário-geral tomou conhecimento sobre a decisão do Senado brasileiro de aprovar o impeachment da presidente Dilma Rousseff e sobre a subsequente posse do presidente em exercício Michel Temer como presidente do Brasil.

O secretário-geral envia seus melhores desejos ao presidente Temer no início de seu mandato. Ele confia que, sob a liderança do presidente Temer, o Brasil e as Nações Unidas continuarão sua estreita parceria.

O secretário-geral agradece a presidente Rousseff por seu comprometimento e apoio ao trabalho das Nações Unidas durante seu mandato.
Nova York, 31 de agosto de 2016”

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